domingo, 2 de agosto de 2009

Uma história para se contar (5)

É tempo de recuperação da retirada dos óvulos. É tempo de esperar os dias passarem para recebermos notícias de como os embriões estão se desenvolvendo. É tempo de entender o que esperar das notícias.

A embriologista nos explicou que eles retiram todos os óvulos que estão no ovário, depois disso fazem um teste para entender quais estão maduros, pois apenas estes devem ser fertilizados. Depois do primeiro dia da fertilização o embrião apresentará duas bolinhas em seu interior que são exatamente o material genético do pai e da mãe. No Segundo dia da fertilização não há muito o que ver e no terceiro dia já estariam prontos para serem transferidos de volta. Porém, existem casos onde embriões que estão se desenvolvendo bem até o terceiro dia sofrem problemas para se desenvolverem a partir daí. Então, se existirem óvulos suficientes, eles preferem esperar mais dois dias para ter certeza que estarão transferindo realmente embriões de qualidade. Caso o embrião chegue no quinto dia, a chance de dar algo errado é pequena.

Chega ao dia 3 e o resultado é o seguinte:
- 34 óvulos retirados
- 18 estavam maduros
- 15 foram fertilizados. Os outros 3 serviram para pesquisas.
- 8 chegaram no estágio que poderiam ser transferidos. Assim, como o número era muito bom, esperaríamos mais dois dias.

Neste mesmo dia a Nanade estava sentindo muitas dores na barriga e resolvemos voltar à clínica para ver se estava tudo normal. O médico fez uns exames e disse que estava tudo tranquilo, mas se ela continuasse sentindo aquela dor não seria possível fazer a transferência dois dias depois e isso causaria alguns inconvenientes. Primeiro que as chances de sucesso seriam reduzidas, pois estaríamos transferindo embriões congelados. Segundo que a transferência deixaria de ocorrer na data do aniversário da Nanade e estávamos muito contentes com esta coincidência. Por último, já não aguentávamos mais toda a ansiedade. Queríamos dar logo esse passo. A notícia dada pelo médico foi o melhor remédio. No sábado a Nanade já estava disposta a correr uma maratona. Passou o dia bem e acordamos ansiosos no domingo para saber se tudo correria bem.

Chegamos à clínica no domingo e fizemos os exames para constatar que seria possível fazer a transferência. YESSSSS! Finalmente! Agora será só esperar o resultado. Deveríamos voltar 10 dias depois para fazer o exame de sangue para atestar se o processo havia sido bem sucedido. Ainda no domingo a Nanade começou um coquetel de remédios para dar inveja a qualquer hipocondríaco. Tivemos que fazer uma escala para ter certeza que os horários e condições seriam todos cumpridos. Junto com os remédios foi fornecida uma lista de efeitos colaterais do processo. Como a quantidade de estrógeno estava muito alta, então a possibilidade de ocorrer uma hiperovulação também era alta (mais informações sobre OHSS) http://en.wikipedia.org/wiki/Ovarian_hyperstimulation_syndrome. Em resumo, devido à alta quantidade de droga para estimular o ovário há um inchaço e acúmulo de liquido na barriga. Isso ocorre em cerca de 40% dos casos, porém os efeitos dependem de cada organismo. Em 1% dos casos há uma séria complicação que pode ter consequências drásticas. Assim, levamos para casa uma planilha para que pudéssemos acompanhar a evolução da barriga da Nanade. Caso ela ganhasse mais de um kilo por dia e sua barriga aumentasse mais de 3 cm, então deveríamos correr para o hospital porque os sintomas indicavam que o problema havia se agravado.

Assim esperamos os 10 dias. Na primeira semana a barriga foi aumentando de pouquinho em pouquinho. Porém, nada constante, algumas vezes ela estava bem, outras ela sentia umas dores nas costas. Ligamos para o médico novamente e ele disse que deveríamos relaxar, pois era uma questão de tempo para esses sintomas passarem. Questão de tempo, tudo bem, mas a Nanade começou a dormir sentada no sofá, pois já não conseguia deitar sem que a barriga incomodasse. No sábado teríamos um churrasco da empresa na casa da Diretora. O local do churrasco fica a 120Km de Toronto e a Nanade disse que não queria ir, pois a barriga estava incomodando. Como 2 pessoas da equipe já estavam se ausentando, resolvi ir de qualquer forma. Quando cheguei recebi uma ligação da Nanade dizendo que ela não estava se sentindo bem e que queria que eu votasse o mais rápido possível. Só tive tempo de cumprimentar a todos e dizer que não poderia ficar. Eu estava realmente preocupado e voltei para casa dirigindo feito um louco. Em 40 minutos estava em casa, mas a Nanade havia conseguido dormir e estava mais tranquila. Ligamos para o médico novamente e ele disse para estarmos na clínica na manhã seguinte. A noite foi muito ruim. A Nanade não conseguia dormir, a barriga parecia que ia explodir e os minutos não passavam. Em um dia ela ganhou 2 Kg e a barriga cresceu 7 cm. Estávamos desesperados! Pensamos em ir para um hospital direto, mas já estava amanhecendo e decidimos segurar um pouco para evitar que a Nanade andasse muito.

Ao chegarmos à clínica o médico diagnosticou sem muito esforço. “She is in a hyperstimulation crisis, we need to drain her belly because it is going to be worse before getting better”. Ela fez um exame de sangue para avaliar se estava tudo bem. Preciava fazer uma ultra deveria para confirmar o que o médico havia dito. O médico disse que ainda era cedo para ver se ela estava grávida, mas precisava testar pois isso influenciaria a forma de fazer a drenagem. Ficamos o domingo inteiro dentro da clínica. Lá fora um sol maravilhoso e o churrasco na casa do Paulo e da Cris (gaúchos legítimos) rolando solto. Estávamos loucos para comer o churrasco de fogo de chão, principalmente a costela que havia sido muito bem divulgada por todos os que já experimentaram, mas as circunstâncias nos impediam. Finalmente a Nanade entra para fazer a ultra. Enquanto eu aguardava, a enfermeira veio até mim e perguntou se eu demoraria para ir embora. Eu disse que tudo dependia da Nanade. Ela disse “Ok, I will ask the lab for you results”. Minha perna tremeu na hora. Que resultados? Da gravidez? “Yes, then I don’t need to call you later”. Caramba! Todo o processo passou pela minha mente em 10 segundos. Lutamos, aprendemos, encaramos, caimos, nos reerguemos, nos fortalecemos, encaramos de novo e agora é a hora! Será que estou preparado para receber este resultado? Foi uma mistura de medo e alegria. Ela entrou na sua sala e eu a segui. Ela discou os números, minha cabeça estava à mil, ela começou a falar, eu lembrei de todos os minutos que havia esperado por aquele momento, ela pergunta pelo resultado, começa uma contagem regressiva na minha cabeça (10, 9, 8...), ela balança a cabeça negativamente........bateu um silêncio repentino nomeu interior. Esse sinal inicia um processo de dormencia no meu corpo, por 5 segundos eu pensei que havia a possibilidade de termos que passar tudo de novo. Como eu falaria isso para a Nanade? O estado que ela se encontra não é o melhor para receber uma notícia destas. Pelo menos teríamos ainda mais 3 chances antes de termos que encarar as injeções de novo, mas será que teremos gás? A enfermeira olha para mim com uma cara muito séria, meu peito aperta tanto que eu não conseguia mais puxar o ar, e ela solta a sentença: “two more minutes! They are going to need two more minutes to send it”. Ufaaaaaa. Se eu tivesse com bosta pronta, sairia com certeza!

A agonia ainda não tinha acabado. 2 minutos! Duas voltas no relógio! Eu não consiguirei ficar aqui em pé. Quer saber, vou dar uma volta lá fora, vou dar 5 minutos, não posso ficar nesta agonia. Fiquei repetindo positivo, positivo, positivo, positivo, positivo, positivo, positivo, positivo, sem parar para que toda a energia positiva estivesse bem concentrada. Lá fora eu olhei aquele dia ensolarado, respirei bem fundo e tentei me recompor. Eu precisava estar bem, independente do resultado, pois a Nanade precisaria de mim. Quando consegui lembrar qual era o meu nome e omotivo de estar na clínica, voltei para a sala da enfermeira. Ao chegar, ela estava ao telefone, olhou para mim e apontou para a tela do computador. Havia uma lista de nomes numa planilha com uns números do lado, mas eu fiquei na dúvida do que aquilo significava. Sim! E aí? Isso é bom ou ruim? Ela desligou o telefone e disse “cogratulations, she is pregnant”. WOOOOWWWWWWWWW, uma descarga de energia atravessou meu corpo. Os olhos logicamente encheram de lágrimas e eu só podia pensar o quanto a Nanade ficaria feliz. Nós conseguimos! Eu nunca havia sentido nada parecido. Já vivi muitas emoções, mas posso dizer que aquele momento foi o melhor da minha vida. Respirei muito fundo e o ar serviu como combustível para aumentar a sensação de alegria, ele entrava com pequenas falhas como se fossem fogos de artifício estourando dentro de mim. Eu só pensava na Nanade! Depois de toda a luta o esforço valeu a pena. Mas espera! Será que este é o resultado final? Podemos comemorar? Podemos contar para família e amigos? “Sim, se o nível de HCG estiver acima de 50 no décimo dia já é considerado gravidez”. Excelente, o número que mostrava na tela era 74 e ainda estávamos no sétimo dia.

Depois da explosão de alegria, a enfermeira pediu que eu trouxesse a Nanade para conversar com ela, pois precisava passar algumas recomendações. Eu fiquei tentando imaginar como daria a notícia. Esperaria ela sair ou entraria na sala de ultra e soltaria a novidade? Preferi esperar, mas entrei na sala algum tempo depois, pois o exame estava muito demorado. Assim que entrei a Nanade já me questionou e eu fiquei calado. Percebi que seu semblante ficou triste e eu não quis fazer aquele teatro de ficar sério como se estivesse dado errado e depois fazer a “surpresa”. Ela já havia sofrido muito e não caberia este tipo de brincadeira naquele momento. Eu sussurrei a partir da porta: você tá grávida! “Que?”. Deu tudo certo, você está grávida! Ela começou a chorar copiosamente ainda deitada. Em 1 minuto a técnica acabou a ultra e deixou a sala. A Nanade me abraçou em prantos dizendo: “Nós conseguimos!”. Quanto mais forte nos abraçávamos mais sentíamos um peso enorme se esvair de nossos corpos. Parecia que estávamos nos purificando, estávamos nos transformando cada vez mais em uma verdadeira família. Eu olhei diretamente em seus olhos e conseguia ver uma só resposta: “Valeu a pena!Tudo valeu a pena”. Nós não conseguíamos falar nada, mas, como de costume, não era preciso. Passamos 5 minutos, eu acho, abraçados sentindo apenas nossa respiração e soluços. Não ouvíamos nada. Era como se o tempo tivesse parado naquele instante para que pudéssemos isufruir daquele sentimento. Com certeza, aquele foi o melhor momento da minha vida. Aliás, acho que irei repetir muito essa sentença daqui para frente. Os recordes de melhores momentos da vida estão mais fáceis de serem quebrados agora e espero que sejam batidos com bastante constância.

Depois de ouvir as recomendações da enfermeria saímos da clínica dispostos a irmos para o churrascão dar as notícias fresquinhas, mas ainda no caminho a Nanade voltou a sentir dores e precisamos ir para casa. A alegria da notícia havia mascarado os sintomas, mas quando o sangue esfriava a dor voltava. O churrasco teria que ficar para outro dia.

Como a notícia era oficial, mas os médicos disseram que era melhor esperar até o décimo dia, resolvemos não divulgar abertamente para todos. Porém, não conseguimos nos conter em relação à família. Chegando em casa, ligamos para nossos pais e irmãos para contar as novidades e pudemos viver outros grandes momentos. Todos sabiam de nossa luta e de quanto queríamos chegar neste ponto e a ansiedade também era grande do lado deles. Como é bom dar notícias boas como essas.

A noite foi sofrida novamente, muita pressão na barriga, dores, tentativa de dormir sentada, incômodo. Dia seguinte voltamos para a clínica para fazer a drenagem. A Nanade entrou na sala sozinha e realizou o início do procedimento. Depois o médico saiu e disse que estava tudo bem, eu poderia entrar para acompanhá-la. Quando entrei vi uma cena bem forte. A Nanade estava deitada de lado com uma cânula respeitável saindo da barriga e um líquido escuro fluindo muito rápido. Ela parecia uma máquina de cola cola em festa de criança. Quando disse isso para ela, a enfermeira disse “I give you 1 dolar if you drink this coke”. To fora! Eu ainda estava assustado com a cena. Porém pude ficar mais aliviado por ver o semblante da Nanade, ela estava bem tranquila e até rindo. Ela falou que a dor estava saindo junto com o líquido e finalmente, depois de 5 dias, ela podia dizer que estava relaxada. Perguntei como aquela cânula foi parar na sua barriga e ela ficou séria novamente. “Nem me fale, eu quase morri de dor, ela enfia aquela agulha ali sem anestesia nenhuma”. Quando olhei para onde ela estava apontando vi uma agulha grande e grossa, parecida com um espeto de churrasco (huuuuummmm fogo de chão). A enfermeira disse que tinha anestesis sim, mas que servia apenas na parte externa. Para quem não sabe o procedimento de drenagem funcionam assim: eles mapeiam com a ultra onde estão as bolhas de líquidos, depois inserem essas agulhas na barriga até atingirem os locais definidos para que as cânulas consigam sugar o que tem dentro. Resultado final: retiraram 2.7L de líquido e disseram que não poderia tirar mais, pois este líquido é uma fonte de sais minerais e “num sei mais o que”. Assim, a Nanade ficou muito fraca, mas bem aliviada durante dois dias. Perguntamos se este quadro poderia voltar a ocorrer, os médicos disseram que normalmente não, mas que era preciso continuar a monitoração.

Dois dias voltamos na clínica para fazer o exame definitivo e o resultado foi o melhor possível. O nível de HCG estava 340, o que significava que estava numa faixa que poderia indicar que existiam duas vidinhas na barriga da Nanade. Porém , precisaríamos fazer uma ultra na 7ª semana para comprovarmos se isto era verdade. Neste dia percebemos que a barriga da Nanade estava voltando a crescer e estávamos preocupados. A enfermeira nos disse que ligaria para o médico e nos daria uma posição sobre o que deveríamos fazer. No meio do dia ela nos ligou dizendo que deveríamos nos dirigir a um hospital em Brampton para que a Nanade tomasse um remédio à base de plasma, pois isso ajudaria na absorção do liquido e evitaria uma nova drenagem. A Nanade estava desesperada só em pensar na possibilidade de ter que passar por isso novamente e nos despencamos para o hospital na cidade vizinha.

Chegando ao hospital ocorreu uma situação engraçada. Estávamos aguardando o remédio ser ministrado (demorava em torno de 2 horas) e de repente uma voz no alto falante dizendo “Code Pink, Code Pink! First Floor. Code Pink!”. Ficamos curiosos e perguntamos à enfermeira o que aquilo significava. Ela foi bem seca na resposta “It’s a child”. Eu e a Nanade comemoramos “eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee”. A enfermeira ficou com uma cara bem séria e disse “It is nothing we want to see. A child distress is something really serious”. Oooops! Achávamos que era o nascimento de uma criança. Ficamos com a cara no chão e pedimos mil desculpas para a enfermeira. Ela disse que não tinha problema, pois sabia que nós não sabiamos o que estávamos comemorando. Ficou por isso mesmo, mas não conseguíamos mais olhar para a senhora que estava nos ajudando. No final de tudo, saímos rapidinho para evitar encontrar com ela novamente.

No dia seguinte voltamos à clínica para avaliar se seria necessário passar por mais uma drenagem. A Nanade se tremia de medo só imaginando o processo, mas as coisas estavam melhores. Parecia que o remédio havia dado resultado e as dores haviam diminuido bastante. Ela conseguiu dormir bem e o médico confirmou que poderíamos esperar mais para ver se a regressão seria definitiva. Ok! Então vamos esperar. A Nanade saiu aliviada da clínica e voltei para o trabalho para continuar na batalha. Resolvi tirar a semana seguinte de férias para poder acompanhar mais de perto.

Ainda tem muita história e mais uma vez teremos que deixar para o próximo post. Para fechar este post quero deixar um pedido: Paulo e Cris, por favor não nos neguem um churrasco, caso contrário nossos filhos nascerão com cara de fogo de chão. Eu não quero nem imaginar como seria.

CHURRASCO DE FOGO DE CHÃO, PLEEEEEEEEEEEEEEEEEASE.

5 comentários:

Vicente Carvalho disse...

Luciano.
O teu relato é impressionante.... Minha esposa e eu estamos passando pelo mesmo processo, só que aqui no Brasil. Até por isso ainda não mandamos os documentos para o Consulado.
Bom, uma coisa é certa assim que chegarmos aí já serão dois bebês em idade próximas.... brasileirinhos que cresceram (quem sabe) juntos no Canadá.

K disse...

Aff, quanta emoção. Vocês deviam escrever um livro. Ainda que não publiquem, vocês podem contar pras crianças toda essa história quando elas já forem grandinhas.

E ainda tem mais emoção pela frente! Guenta coração!

Beijo,

K.

Ninha disse...

Puxa vida, quanta emoção vc nos passam e parece que consigo ver a cena de tão bem escrito os posts.

Paulo e Cris...Faz um churrasquinho p/ eles nééééé ?????
hahahaha.

Bjs gt

Fiquem com Deus.

Thiago e Nayra, Nayra e Thiago disse...

Poxa, mais uma vez leio os seus posts com lágrimas nos olhos!

Que benção que Deus providenciou para vocês! Que dê tudo certo, que a Nanade tenha uma gestação tranqüila!

Muitas e muitas e muitas felicidades!

Que Deus os abençõe sempre!


Beijos, Nayra.

Li e Karllus disse...

Chorando é claro, eu Parabenizo-os pela gravidez tão desejada, batalhada, sofrida e merecida.

Luciano, você reparou que teve o privilégio de poucos pais? Soube que estão grávidos antes da mamãe!!!!

Nanade, parabéns pela força e determinação. Você foi muito forte. Agora curtam bastante essa gravidez tão suada e desejada.

Mal posso esperar pelos próximos posts.

beiZoccas,

Elis