terça-feira, 26 de agosto de 2008

Saia da mãe ou do país?

Hoje estava numa excelente discussão sobre algumas barreiras que enfrentamos em nosso caminho para sair do país. Dentre outras coisas, diante de alguns relatos, percebemos que há dois grandes grupos que nos cercam: os orgulhosos e os invejosos. No geral, veja que estou realmente generalizando, os orgulhosos são aqueles que têm coragem de fazer o que você está fazendo mas não têm vontade. Os invejosos são aqueles que têm vontade, mas não têm coragem.

A minha estratégia nestes casos era simples. Para os orgulhosos eu perdia meu tempo explicando que o Canadá não é frio por 12 meses, que existe verão, outono e primavera, que o governo realmente ajuda as pessoas, que existe de fato oportunidades de se obter uma boa posição e que o país precisa muito mais do que apenas lavadores de pratos. Para os invejosos eu simplesmente concordava com suas teorias que resultavam na idéia absurda que nosso objetivo de vida era virar engraxate de esquimó. Se isto os fazia bem, para mim estava ótimo.

Outro grande problema é a questão da separação física da família e é neste ponto que gostaria de focar este post. Muitas vezes vemos casos em que as famílias "acusam" os futuros imigrantes de abandono ou até mesmo os próprios imigrantes sentem a culpa por estar deixando seus pais e avós para "trás". Isto pode ser um fator decisivo para aqueles que estão em dúvida sobre seu futuro. Assim, resolvi contar a minha experiência para que possa ser utilizado como um peso nesta balança.

Quando estava no processo ouvi do meu pai duas frases que apenas atestaram minha decisão. Enfatizando que isso é uma situaçõ muito particular, mas vou colocá-la aqui de qualquer forma.

Só para contextualizar, meu pai é de Ilhéus - BA e saiu de casa aos 11 anos de idade carregado pela mão pelo meu avô para ir atrás do sonho, de ambos, de seguir uma carreita militar. Quase 50 anos depois ele se aposentou como General e deu o prazer à minha vó de vê-lo recebendo o comando de uma região do Nordeste cujo o quartel General fica em Salvador. Lembro muito bem dessa cerimônia quando minha vó com os olhos marejados olhou para mim e disse. "Meu filho, isso é uma realização sem tamanho". 4 meses depois, minha vó faleceu. Tenho certeza que ela não se conteve com a emoção e teve que ir contar para o meu avô que toda a dor que haviam passado tempos atrás havia valido a pena. Na minha cabeça ficou aquela imagem, aquela vibração, aquele sentimento que consegui extrair da voz trêmula e olhos focados na figura do meu pai. Na minha interpretação isso é tudo o que quero prover à nossa família. Talvez hoje eu consiga ter uma visão muito mais clara daquele momento, assim consigo explicar melhor.

Crescemos com uma única obrigação imposta por meu pai: sermos felizes. Assim, quando soube de nossas pretensões ele me falou, dentro de vários papos, duas frases que me marcaram. "Meu filho, nós já vivemos nossa vida, conquistamos nossas conquistas, batalhamos nossas batalhas, vencemos nossas vitórias. Por favor, complete nossa vida vivendo a sua." e "Se ficasse para ver meus pais envelhecendo, as únicas histórias que teria a contar seriam as suas mortes".

Isso foi suficiente para que este problema não fosse mais considerado. Hoje percebemos o orgulho que nossos pais sentem ao falar que estamos por aqui. Ainda há outra boa variável, depois de algum tempo podemos abrir o processo para que eles também se tornem residentes permanentes assim como nós. Vir ou não é uma decisão particular, mas a possibilidade existe.

Quanto ao fato de compartilhar a vida, as conquistas e até os momentos diários, as coisas estão muito mais simples. Hoje o skype nos permite ter um número em Brasília e nossa família pode nos ligar como se estivéssemos lá. Caso queiramos nos ver, basta abrir o programa e colocar a câmera. Fora isso, guardamos emoções e as apresentamos de maneira a surpreendê-los e sempre lembrá-los de nosso relacionamento. Vou colocar abaixo uma das cartas que enviei para meu pai. Nesta situação, eu havia acabado de mudar para São Paulo e gostaria de demostrar a ele como faz parte de minha vida. Espero que gostem.

"Pai,
Após a elaboração do livro em homenagem aos seus 60 anos surgiu em mim uma vontade de continuar lhe escrevendo o sentimento que me acomete quando penso em você. Essa vontade sempre foi postergada por falta de tempo. Porém, é válido dizer que o tempo existe, o que precisamos é saber priorizar. Após a leitura daqueles slides que você me mostrou, onde havia o arrependimento de uma pessoa perante a falta de um pai devido aos acontecimentos da vida e a ocorrência de minha mudança para São Paulo, resolvi começar a escrever-lhe. Nada melhor do que aproveitar um pouco o tempo colocando no papel sensações glorificantes. Quero externar o que sinto sozinho, quero mostrar-lhe como é bom ter uma pessoa que lhe apóia e lhe ensina.

Essas cartas servirão também como um diário para passar as coisas boas que vivemos. Afinal, de que adianta experimentarmos se não pudermos dividir?

Toda vez, ao final da tarde, penso o que realizei durante o dia, exatamente como sempre ouço sua voz me dizer. Se você soubesse como isso me faz crescer...

Esta é minha segunda semana aqui em São Paulo e a cada dia fico mais feliz. É muito interessante olhar pela janela e ver um mar de luzes, os barulhos da cidade grande, as oportunidades surgindo uma atrás da outra. Quando isso acontece sinto-me um vitorioso, sinto-me capaz de realizar qualquer coisa, acho que nunca havia sentido isso antes.Vejo um mundo pela janela que está à espera da minha gana por sucesso e ao ver a Nanade feliz aqui ao meu lado me sinto completo e preciso externar isso. Não há pessoa melhor a compartilhar do que aquele que sempre acreditou em meu potencial, na verdade mais do que isso, apostou suas fichas.

Orgulho... É isso que procuro passar as pessoas. Eu sinto orgulho de você, pai, e cada vez que penso nisso levo uma descarga de energia positiva. Por isso, tento alcançar sua magnitude. Quero que as pessoas se sintam da mesma forma que me sinto ao me espelhar em você.

Você faz parte de mim.

Eu te amo,

Luciano Barreto"

Espero que estas palavras que tanto me incentivaram também sirvam para outras pessoas. Sei que a maioria que está aqui não precisa de incentivo, mas esta variável família sempre será um contraponto a se considerar.

11 comentários:

Karina disse...

Luciano

Desta vez em vez de risos foram lágrimas que resultaram da leitura do seu post. Muito, muito, muito lindo! Seu pai deve ter mesmo muito orgulho de você. Obrigada por compartilhar mais essa sua experiência, que com certeza fez com que e me sentisse menos culpada por deixar minha família aqui, neste País, no qual não quero mais viver.
Tudo de bom pra vocês, na Paz de Cristo.
Karina
www.eueminhacasa.wordpress.com

Silney disse...

É...dessa vez nao teve risadas mesmo...
excelente teu post...
abraços e sucesso

Andréa disse...

Luciano, não poderia deixar de te dar os parabéns pelo post. Sensível, bonito e que também deixou meu olhos cheios de lágrimas... Se você já não tivesse uma carreira em TI, iria sugerir que virasse escritor! Obrigada por compartilhar sua vida e seus sentimentos conosco!


Beijos pra você e Nanade,


Andréa

Roberta disse...

Muito bom, Luciano! Vou mostrar para o meu marido. Ele já sentiu vontade de voltar por causa dos parentes, especialmente por causa do pai e do irmão.

Ah, acho que ainda não lhe disse... Chegamos em Edmonton no dia 5 de agosto. E estamos passando por tudo aquilo que você passou.

Hoje, o Ivan irá fazer o exame escrito para tirar a carteira de motorista.

Bem, boa sorte na sua caminhada!

Abraços,

Roberta Freire.

Denise & Edimar disse...

Oi Luciano,

Este post deveria vir com uma advertência: "Cuidado, este post pode causar um descontrole emocional" ou deveria iniciar com um conselho: "Pegue um pacote de lenço de papel antes de começar a leitura".

Rindo ou chorando, vc sempre nos emociona. Parabéns pelo blog.

Abraços,
Denise Ferri
http://meucanada.com.br

Gisa disse...

Lindo seu post.
Penso que não há recompensa maior para um pai e uma mãe ver um filho externar seus sentimentos dessa forma. Saber que não é apenas pai, mas amigo também. Muito lindo mesmo!

Que Deus os abençoe muito por aí.

Fiquem na paz,
Gislane

Andando no deserto disse...

Oi Luciano,

Gostei muito de ler o teu post sobre seu pai, muito linda a relacao de voces.
Muito bacana,

Abracos,

Leudia

Ernani disse...

Já notei que você será autor de muitos best-sellers. Quero saber quando cada um deles entrar em pré-venda! :-)

Li e Karllus disse...

Parabens pela declaração ao papai!

E parabéns ao papai também!!! Por pensar de maneira tão inteligente...

Lindíssimo post!

beiZoccas,

Elisangela
Proxima parada - Canada
http://proximaparada-canada.blogspot.com

Renata, Dory, Olívia e Vítor disse...

Obrigada por me ajudar a enxergar a questão família de uma maneira otimista. Minha mãe tb diz que já viveu a vida dela e que agora é minha vez de fazer história, mas ainda assim muitas vezes eu fico sem saber o que fazer.
Obrigada mais uma vez!
Renata

Unknown disse...

Oi Luciano,

Fiquei muito emocionado em ler sua mensagem, o que me encorajou mais ainda a seguir neste caminho, mas no meu caso encontro resistência de minha esposa... por isso ainda fico reticente.

Eu servi com seu pai no QG daqui de Salvador e o tenho com muito afeto, respeito e adminiração.

Cheguei na caserna BEM na semana de sua assunção dele no Cmdo 6 e ainda me "esbarro" com ele pela FO e otros lugares em comum.

Eu precisava de uma história dessas para reavivar meus anseios e sonhos, principalmente pelos meus filhos (tenho 3)!!!

Abraços e lembranças a LHMB.